sábado, 10 de setembro de 2011

Roteiro para um paraíso privado

Deitar-se alguma vez nos sulcos do sono da noite anterior,
reconhecendo como um felino doméstico o cheiro das nossas mantas.
Não lavar os dentes e sobretudo esquecer de baixar as persianas.
Coleccionar pontas sucessivas de cigarros, jornais de muitos ontens e rimas de livros lidos só três paginas.
Não endireitar a curva daquele candeeiro, deixar as gavetas abertas com colírios, comprimidos e roupas à vista.
Amontoar em cima da cómoda brincos ímpares, perfumes sem tampa,
pequenos espelhos quebrados, alfinetes, cartas, rascunhos
e chávenas de chá servido há dias, deixar calar-se o CD com os lieder de Schumann
afastando os sapatos de muitos caminhos e a roupa de todas as horas


Inês Lourenço

Sem comentários:

Enviar um comentário