quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Um só poema




Cheguei a casa, pouco depois, soterrei a alma, permaneci imóvel diante dos livros. pensei, há-de haver um poema que me tire daqui, um só poema...









Valter Hugo Mãe

terça-feira, 29 de novembro de 2011

De ti


De ti digo sílabas e pétalas.
De ti digo a rosa da noite por abrir.


Albano Martins

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

domingo, 27 de novembro de 2011

Horário de funcionamento


Os poetas não abrem aos domingos e feriados.
e mesmo assim os poetas não fecham nunca.


Rita Apoena

sábado, 26 de novembro de 2011

Todos os dias


É tão bom começar a manhã com tudo o que queremos ser neste dia. Olhar sem medo pela janela, ensaiar uns passos fora da pele. Já não somos nós, nem mesmo é nosso o dia.Tropeçamos nos olhos espantados à volta do que vemos, precipitamo-nos para dentro e é tudo o pouco que fizemos. Dizemos que a pele é a nossa casa, enumeramos as assoalhadas, a arquitectura sólida, as vantagens de grades nas janelas. Depois fica-se triste até ao fim do dia. Há quem faça compras ou coma chocolate, quem diga mal de todos, quem não acorde a espreitar pela pele como ser outro, mas ele está a dois passos, a respiração, a temperatura, o olhar, o corpo móvel que se afasta levando o horizonte e só nos resta sonhar com a manhã seguinte e todos os dias - todos os dias - mentimos para dentro da pele.

Rosa Alice Branco

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Com o teu olhar


....

Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.


Manuel António Pina

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O amor



O amor é o início. O amor é o meio. O amor é o fim. O amor faz-te pensar, faz-te sofrer, faz-te agarrar o tempo, faz-te esquecer o tempo. O amor obriga-te a escolher, a separar, a rejeitar. O amor castiga-te. O amor compensa-te. O amor é um prémio e um castigo. O amor fere-te, o amor salva-te, o amor é um farol e um naufrágio. O amor é alegria. O amor é tristeza. É ciúme, orgasmo, êxtase. O nós, o outro, a ciência da vida.
O amor é um pássaro. Uma armadilha. Uma fraqueza e uma força. O amor é uma inquietação, uma esperança, uma certeza, uma dúvida. O amor dá-te asas, o amor derruba-te, o amor assusta-te, o amor promete-te, o amor vinga-te, o amor faz-te feliz. O amor é um caos, o amor é uma ordem. O amor é um mágico. E um palhaço. E uma criança. O amor é um prisioneiro. E um guarda. Uma sentença. O amor é um guerrilheiro. O amor comanda-te. O amor ordena-te. O amor rouba-te. O amor mata-te. O amor lembra-te. O amor esquece-te. O amor respira-te. O amor sufoca-te. O amor é um sucesso. E um fracasso. Uma obsessão. Uma doença. O rasto de um cometa. Um buraco negro. Uma estrela. Um dia azul. Um dia de paz. O amor é um pobre. Um pedinte. O amor é um rico. Um hipócrita, um santo. Um herói e um débil. O amor é um nome. É um corpo. Uma luz. Uma cruz. Uma dor. Uma cor. É a pele de um sorriso.

Joaquim Pessoa ‘Ano Comum’

domingo, 20 de novembro de 2011

Xeque mate


Caem-lhe as peças de xadrez do tabuleiro derrubadas por movimentos mal calculados. Ouvem-se no andar de baixo a embaterem no soalho e calarem-se num som trémulo, quase um lamento. Ele apanha-as e volta a colocá-las nos lugares de que se lembra. Sabe que erra os lugares, principalmente quando cai mais do que uma peça. Sabe também que não importa. Como não importa quem ganha ou quem perde, ele ou o outro que com a sua mão joga do outro lado. Importante é não parar de jogar.


Cansar a noite, cumprir a vida, deitar-se para amanhã recomeçar.



Jorge Roque

sábado, 19 de novembro de 2011

Sim...




...é um arco de sombra, quente e trémulo.

É um copo de vinho com o meu sangue e o sol.


Antonio Ramos Rosa

O silêncio


À sua volta crescia o silêncio, doloroso silêncio, semelhante ao que se estende por cima do mar cuja misteriosa mansidão nos acorda, obrigando-nos a descobrir, subitamente, que a solidão é muito maior do que julgávamos.


Al Berto

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sonhos




O meu maior desejo sempre foi o de aumentar a noite para a conseguir encher de sonhos


Virginia Woolf

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Um dia...


Um dia perguntou-me:
Estudaste os teus mapas? Conheces os caminhos?

Olhei-a desconfiada e, cheia de medo de me perder,
desenhei-me em quadrado,

desfiz-me em quilómetros.


Filipa Leal

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Arte de navegar


Não conhece a arte da navegação
quem nunca vogou no ventre de uma mulher,
remou nela, naufragou
e sobreviveu em uma de suas praias.


Cristina Peri Rossi

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Fogo posto




É a labareda da seda sob os dedos transmitida ao corpo todo,
seda extraída ao segredo - tocar e ser tocado,
sentir em si a ligeireza do fogo, a profundeza,
e estremecer, ficar em chaga;
e com dedos e sedas manter às labaredas,
entre terror e louvor, a comburente,
combustível composição de tudo:
ser queimado vivo,
ser luminoso.


Herberto Helder

domingo, 6 de novembro de 2011

Asas


Às vezes, sinto como a rosa

que serei um dia, como a asa

que serei um dia;

e envolve-me um perfume, alheio e meu,

meu e de rosa;

e um vaguear me prende, alheio e meu,

meu e de pássaro.

Juan ramón Jimenez





sábado, 5 de novembro de 2011

O meu corpo




O meu corpo, se bem que leve, é um peso que arrasto sem forças para tanto, um peso que me dói, além de me pesar e de me coagir a arrastá-lo. Desejaria não o sentir, como não sinto o ar que respiro, embora esteja envolvida nele e com ele. Queria deslocar o corpo sem esforço, tal como desloco fluidos, cheiros, poeira, quando caminho de qualquer lado para qualquer lado. Queria disponibilizar o corpo, guardá-lo bem fechado numa gaveta secreta e, quando precisasse, ia lá buscá-lo, trazia-o comigo e dizia-lhe: agora quero sentir-te, mostra-me lá como é , dá-me apetites e desejos que eu possa facilmente satisfazer, dá um prazer à alma que te habita...

Fernanda Botelho

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Diz-me




Onde poderei assentar os pés sem que o chão comece a resvalar ?

Al Berto

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Da nudez


São muitos os dias em que os meus bolsos estão vazios.
Nestes dias, não há peça de vestuário que me abrigue da nudez.


Nelson d'Aires