quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Vem


Espero-te
janela aberta
rumor de água e silêncio.
Vem
Antes que caia a luz

Maria Aurora Carvalho Homem

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Apenas

Tu chegavas de tão longe que eu não te podia tocar
como se viesses de um sonho ou de uma mentira
o teu corpo era cruel como o nevoeiro
e onde ardia o amor eu era apenas um corpo
Pedro Sena-Lino

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Preciso

Preciso de ter sempre água por perto,
diz a mulher,
preciso de água para diluir o coração
Dulce Maria Cardoso

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Domingo


Era domingo
no teu vestido novo
azul turquesa
aquele onde eu buscava
transparências
encontrei castanhos
os teus olhos
e foi nesse mar
que se afogaram os meus
Rui de Morais

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Fogo posto




...
como se o teu corpo fora a vida toda
o desejo hesita em ser espada ou flor



Eugénio de Andrade

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Poema para o meu amor




Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias.

Eugénio de Andrade


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Silêncio




É suposto existir na noite um regresso
e no regresso
o silêncio dos teus braços
pelos meus adentro

Pedro Jordão

sábado, 12 de fevereiro de 2011

E eu..




Gruas no cais descarregam mercadorias e eu amo-te.
Homens isolados caminham nas avenidas e eu amo-te.
Silêncios eléctricos faíscam dentro das máquinas e eu amo-te.
Destruição contra o caos, destruição contra o caos, e eu amo-te.
Reflexos de corpos desfiguram-se nas montras e eu amo-te.
Envelhecem anos no esquecimento dos armazéns e eu amo-te.
Toda a cidade se destina à noite
e eu amo-te

José Luís Peixoto




quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Toca-me




Escrevo o que ainda conheço
nomes de ruas pássaros árvores
monólogos de quem ainda fala alto
é a minha voz ou a tua?
como se tudo fosse uma metáfora sem fim


lá fora a chuva confunde-se com gestos
falamos do tempo, ponte entre o silêncio e o nada


Ouve, quando não fores capaz de falar, toca-me

Maria Sousa


segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Devo ser




Deve ser o último tempo
A chuva definitiva sobre o último animal nos pastos
O cadáver onde a aranha decide o círculo.
Deve ser o último degrau na escada de Jacob
E último sonho nele
Deve ser-lhe a última dor no quadril.
Deve ser o mendigo à minha porta
E a casa posta à venda.
Devo ser o chão que me recebe
E a árvore que me planta.
Em silêncio e devagar no escuro
Deve ser a véspera.Devo ser o sal
Voltado para trás.
Ou a pergunta na hora de partir
.


Daniel Faria

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Mortal e navegável




Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.

Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável.

A marcar sobre os teus flancos
itinerários da espuma.
Assim é o amor: mortal e navegável



Eugénio de Andrade



sábado, 5 de fevereiro de 2011

esta noite


A tua distância é a minha morte, o meu suplício de entreabrir portas que dão para o vazio das grandes ausências. ... e não sei o que te diga,... Esta noite dás-me a medida do desamparo pleno que em mim se acolhe.






José Jorge Letria

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Diz que sim




Quando te beijo o beijo que tu me beijas
é que a flor envolve a terra que toca a flor



E é só a forma de os meus lábios dizerem que sim
e de os teus lábios dizerem que não
que não houve tempo antes de nós


Vasco Gato


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dias assim




Se eu soubesse dar às palavras o rumor lento e raso dos teus dedos
Sagrar o ritmo das inconfidências no crepúsculo de um poema
E silenciar as esperas na última pausa de um beijo
Deixar-te-ia esta carta num recanto da tua pele
.





Sandra Costa