sábado, 29 de julho de 2017

é sempre a mesma voz que não perdoa




Eu vi o sobressalto. 
Nesse bosque de lâminas e luvas
 tocaste cada coisa como
 um grito. 

 E amaste a minha boca
 como quem corta
 os pulsos ao silêncio. 

 Se o vento te derrama 
entre folhas e cinza 
é sempre a mesma voz que não perdoa

 a mesma lei

 o mesmo labirinto 






 Armando da Silva Carvalho

sexta-feira, 28 de julho de 2017

o amor está de volta





Se as tuas noites não têm mais fim 
 Se um desalmado te faz chorar 
 Deixa cair um lenço 
 Que eu te alcanço 
 Em qualquer lugar






quarta-feira, 26 de julho de 2017

dá-me para a melancolia




Só mais um dia, 
um dia luminoso e barulhento
 por mim a dentro, 
um dia bastaria, 
em prosa que fosse. 

 Mas  dá-me para a melancolia
 para a limpeza, para a harmonia,
 impacientam-me as migalhas 
de pão na mesa, as falhas
 da pintura do tecto,
 as vozes das visitas, despropositadas, 
sinto-me sujo como um objecto, 
desapegado, desarrumado. 

 Trocaria bem esse dia
 por um pouco de arrumação
 - no quarto e no coração. 






 Manuel António Pina

segunda-feira, 24 de julho de 2017




Haverá outro verão, outro mar 
 para as palavras? 








 Eugénio de Andrade

quarta-feira, 19 de julho de 2017




Foto de Sónia Silva



Não entendo nada da vida. Cada dia que avança entendo menos da vida. 
Contudo, há horas, as horas perdidas - e só essas - que queria tornar a viver e a perder






 Raul Brandão

terça-feira, 18 de julho de 2017




É já tempo de não esperar ninguém. 
Passa o amor, fugaz e silencioso 
como ao longe um comboio nocturno
 Não resta ninguém, é hora 
de voltar ao desolado reino do absurdo, 
a sentir culpa, ao vulgar medo
 de perder o que já estava perdido.
 À inútil e sórdida moral.
 É já hora de dar por vencido no trabalho,
 a sós, outro Inverno. 
Quantos faltam ainda, e que sentido
 tem esta vida onde te procurei, 
se chegou já a hora tão temida
 de comprovar que nunca exististe? 






 Joan Margarit (tradução de Vasco Gato)
 (Foto de Katia Chausheva)

segunda-feira, 17 de julho de 2017

desfolhando relâmpagos sobre mim




A magnólia,
 o som que se desenvolve nela
 quando pronunciada, 
é um exaltado aroma
 Perdido na tempestade






 Luiza Neto Jorge

domingo, 16 de julho de 2017

vazio de sinais




Estava tudo depurado de vida,
 isento, 
 vazio de sinais, e depois disse para comigo: 
 vou começar a escrever
 para me curar da mentira de um amor que acaba. 






 Marguerite Duras

sexta-feira, 14 de julho de 2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

o que eu quero




Não tenho paciência para ouvir os outros, não tenho paciência para viver,
 não tenho paciência para morrer, estou aqui, parada, num desequilíbrio interminável, 
nunca mais acabo de cair, irrito-me se me falam, sofro se me não dizem nada,
 odeio o gesto caridoso: a mão de alguém nos meus cabelos, 
o que eu quero é uma voz que me queira, 
 um momento de descanso nessa voz. 






 Rui Nunes
 (Foto de Katia Chausheva)

quinta-feira, 6 de julho de 2017

as cartas marcadas




Definitivamente, é o meu Outono, 
um tempo de alianças impossíveis,
 a idade vermelha de todos os perigos 
para homens maduros e miúdas solitárias. 
A idade do adultério e do olvido
 sem nenhuma esperança, a idade fria, 
a partida final contra nós mesmos.
 Mantenho-me à mesa, sem esperar a sorte, 
neste jogo já não entra o azar. 
É o tempo de fazer uma paciência 
com as cartas marcadas da vida. 







Joan Margarit

segunda-feira, 3 de julho de 2017

quero saber se ficarás comigo no meio do incêndio




 Quero saber o que te sustenta a partir de dentro, quando tudo o mais se desmorona. 
Quero saber se consegues ficar sozinho contigo mesmo e se, realmente, 
gostas da companhia que tens nos momentos vazios. 







Jean Houston
 (Foto de Anka Zuravleva)

sábado, 1 de julho de 2017

nada






la muerte se muere de risa 
pero la vida se muere de llanto pero la muerte pero la vida
 pero nada nada nada 






 Alejandra Pizarnik
 (Foto de Anka Zuravleva)