sexta-feira, 29 de setembro de 2017

(cortar)




A mulher não pára de correr. Volta para trás e recomeça. 
O medo recomeça um tempo cada vez mais curto que se
 lhe enrola aos pés. E um tempo depois. Um tempo de
 náusea, pronto a apodrecer como tudo o que está acabado 
Tempo de uma frase que há-de contar (cortar) como
 todas as frases. Que há-de resumir. Mas um som? um 
som cria a sua raiz. E único. Interminável. Uma pedra
 a bater






 Rui Nunes
 (Foto de Mariam Sitchinava)

terça-feira, 26 de setembro de 2017

não tinha que ser





Não foi porque não tinha que ser. Quantas vezes eu já ouvi e repeti isso? Mas será que não era mesmo? Ou eu fiz não ser? Não sei. Só sei que o tempo não volta, e nesse caso específico, um dia tivémos outra oportunidade mas assim como as águas nunca voltam iguais, a oportunidade também não se mostrou a mesma. Aí lembro de uma citação do filme “2046” onde o amor tem a ver com o tempo: não adianta encontrar a pessoa certa demasiado tarde ou cedo demais. Então concluo que não foi a oportunidade que já não era a mesma, era o tempo que já era outro. Não estou com saudades não, nem arrependida. E confesso, faz tanto tempo que não sei nem contar os anos desde aquele dia. É que hoje vim de carona. E ouvimos um único cd o percurso inteiro. O mesmo cd que num fim de semana qualquer do passado tocou sem parar. Músicas que meses depois, num pedido de “perdão”, ganhei num dvd e num cartão que ainda não tive coragem de jogar fora. Nunca assisti esse DVD. Não queria nada que lembrasse aqueles dias. Mas a lembrança não obedece a gente. Nem os outros sabem dos segredos que guardamos, ou melhor, enterramos dentro da gente. Só sei que aquelas músicas tocaram hoje sem parar. Uma seguida da outra. E eu ainda sabia todas as letras. E como um filme, pela janela eu via uma estrada vazia, chuva no pará-brisa, árvores e uma mão na minha coxa.




Clarice Lispector

domingo, 24 de setembro de 2017

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

terça-feira, 19 de setembro de 2017




talvez me vá embora 
sem que ninguém dê por isso.

 assim um pássaro
 descansando do voo
 num verso da noite. 

 às vezes a alma gosta
 de trair a morte.






 Emanuel Jorge Botelho
(Foto de Laura Makabresku)

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

quinta-feira, 14 de setembro de 2017




aviso amarelo de vento no ecrã, 
mais um dia para ter cuidado com os atiradores de facas





flor


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

um homem de coração prefácio à espera de ser escrito




Tragam-me um homem que me levante com
 os olhos
 que em mim deposite o fim da tragédia
 com a graça de um balão acabado de encher
 tragam-me um homem que venha em baldes, 
solto e líquido para se misturar em mim 
com a fé nupcial de rapaz prometido a despir-se
 leve, leve, um principiante de pássaro
 tragam-me um homem que me ame em círculos
 que me ame em medos, que me ame em risos 
que me ame em autocarros de roda no precipício 
e me devolva as olheiras em gratidão de 
 estarmos vivos 
um homem homem, um homem criança
 um homem mulher
 um homem florido de noites nos cabelos 
um homem aquático em lume e inteiro
 um homem casa, um homem inverno
 um homem com boca de crepúsculo inclinado 
de coração prefácio à espera de ser escrito
 tragam-me um homem que me queira em mim 
que eu erga em hemisférios e espalhe e cante
 um homem mundo onde me possa perder
 e que dedo a dedo me tire as farpas dos olhos
 atirando-me à ilusão de sermos duas 
 novíssimas nuvens em pé. 








 Cláudia R. Sampaio
 (Foto de Laura Makabresku)

sábado, 9 de setembro de 2017




Setembro traz consigo os dias curtos. 
Tens de encontrar um refúgio, por mais pequeno que seja. 










Vítor Nogueira

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

As curvas entornam-nos




O tamanho do teu nome
 Quase já não se nota 
Na estrada onde caminhas

Já não sei onde mora 
A cor do sol

Pela estrada 
onde caminhas 
As curvas entornam-nos
 Sucessivamente. 









 Daniel Faria

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

um pretexto para o silêncio




Se espera que la lluvia pase. Se espera que los vientos lleguen. Se espera. Se dice. Por amor al silencio se dicen miserables palabras. 
Un decir forzoso, forzado, un decir sin salida posible, por amor al silencio, por amor al lenguaje de los cuerpos.
 Yo hablaba. En mí el lenguaje es siempre un pretexto para el silencio.
 Es mi manera de expresar mi fatiga inexpresable 






 Alejandra Pizarnik